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MARCELO BITTENCOURT
( BRASIL – CEARÁ)
(1978-2010)
LITERATURA. Revista do Escritor Brasileiro. No. 23 Ano XI Julho/Set. 2002. Editor: Nilto Maciel. Brasília: 2002.
ISSN 1518-5109 No. 10 832 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
As pessoas riem
dos homens
(eretos)
loucos por um leito
ou um banheiro
As pessoas riem
das mulheres
(solitárias)
que aguardam os maridos
envolvendo seus consolos
As pessoas riem
dos velhos
(flácidos)
com suas menininhas
ou seus rapazolas
As pessoas riem
das idosas
(adiposas)
que passeiam n´Aldeota
com xanha na xoxota
As pessoas riem
dos moleques
(salientes)
suas cabritas
e seus “troca-troca”
As pessoas riem
das meninas
(úmidas)
à espera do príncipe
ou do carrasco
As pessoas riem
de mim
(louco)
que nego a moral hipócrita
e faço sexo sem frescura
As pessoas riem?
As pessoas não riem
Apenas deliram fazê-lo
em cima de uma noite
como se fosse uma cama
enquanto gozam
a caçoar de si mesmos
PALHAÇO
A Uma Amiga Risonha
Mariana beijou-me a boca, sem querer
E tornou-se um fantasma meu
Pedido e contundente
A espetar meu ego
Mariana abraçou-me, sem querer
Carregou a carne do passado
E deixou-me os restos:
ossos, músculos e artérias
Mariana zombou de mim, sem querer
Pegou seu batom cor-de-urucum-riso
Passou na ponta de meu nariz
Retocou os lábios e o guardou
Mariana sumiu de mim, sem querer
Tirou o azul de minhas retinas
E deitou o breu pleno
Onde encontrei-me perdido
Mariana se foi, porque quis
Desdenhou de meus lábios
Tão ferina e aguda
Como a dor que deixou
Mariana morreu.
IZABEL
I
Há calos de caule em colóquio no colo de Calabar
Como há otatame no tato de tua mão
com a capa corada de sol, me sorri
Ao que respondo com a minha, corada de vergonha
Te vi sadia, suada de sol e cal
Me viste pelado, pirado de pó e pedra
...E a porta do templo exige toda compostura
de um rito maçônico ao atravessá-la.
Ninguém tem compaixão das pobres almas nuas.
II
Bebo na fonte do indizível:
J. Pinto, o da Maria, louco maldito
que me diz heresias que preciso ouvir
Me diz mais pornografias das que ouvi de ti
Me apraz saber disso, tal cair no risco(rabisco)
Eu caçador/carcereiro/carrasco de mim mesmo
Apodreço à tua sombra até que chegue a putrefação exata
E os urubus caiam, famintos, sobre mim.
Tu, elástica princesa da estética pútrida
Comanda a todos comedores de carniça — dos tapurus às
hienas—
“vidia” o esfacelamento de Minha carne, há muito ferida
com o olhar superior que cabe aos monarcas
E acaba teu dia feliz, com sabor de dever cumprido.
Vou ao inferno, reino e amor de teu pai,
amor que não tive contigo.
OBSCURO
A mesma força
Força-me aos versos e,
Leva-me à forca
Após a corda, acordo-me
Com meus fantasmas, concordo
E assim o acordo com Ele
A vida foi-se, fatalmente,
Elevo-me na vala
À altura da virilha
vem a foice e o ceifa,
Filosoficamente, cefálicas fatias
Sem semântica alguma.
DA PRAÇA
Deus é chato
Não me tira daqui
Com seu olhar pesado
Não me deixa dormir
Já não posso mais ver
Como, em criança, via
Meus olhos só podem ter
Sangue escoando na pia
Antes eu sentia
Agora, já não mais
Antes eu dormia
Agora, estou sem paz
Estou parado sempre
Mesmo quando em movimento
Se batem à porta: entrem
E acabem o meu tormento
Cheguei em um velório
Antes fosse o meu,
Que seria mais simplório
O velório de um ateu.
VÁCUO
Hoje a poesia lateja
Em minha alma, querendo sair
Dói o coração
Estou seco
Já não posso escrever
A poesia se muda de mim
Quero ter, só me afasto
Quero te curar, só me machuco
Quero que fiques, vais, esvai-se
Lágrimas caem
Molham o papel e me derretem
Como se ácidas fossem
Se fico com o vácuo no peito
Agora, sem alma, vivo
Podre de nojo
ALMAUSENTE
Vou adoecer. Já adoeci
Vou te perder. Nunca te tive
Vou te comer. Não gozo
Desespero alcoólico,
Nas mãos, a mesma agonia d´alma
No corpo a mesma podridão,
esgoto
esgoto-me
O vento, a porta bateu.
Foi como se o mundo invadisse minh´alma
triste, trêmula
Para tirar o que me bateu, me mata
Me vejo no fundo,
Mas o poço é raso
Lágrimas escorrem por meus olhos cegos
sem lentes
Se me provassem que a vida é perfeita,
Não te amaria mais.
Assim não sentiria mais dor
(Se isso fosse a coisa mais linda do mundo...)
Minha cama triste não mais me quer
Agora o hospital, mais um pouco o morgatório.
Que horas são?
Já posso morrer?
PINÇA
Tez traduz, já tarde, todo o teu temor
Talvez não tenha tido tempo de te ter
Com dores, indubitáveis dores, da minha tua depressão
Tratando-se do que todos tinham certeza, quase todos
Já não primo pelo “buquet” pútrido de tua flor
Prefiro o odor primal dos novos prazeres
Agora as paredes parecem pinçar pensamentos perdidos
Poderes parecidos a perversidade,
Poças de piche que povoam a honestidade dos ladrões,
E são poderosos santos quem as deixam
Perversidade; a tristeza a querer procriar-se
Como parasitas à beira d´uma explosão demográfica,
Suga pelo bico tudo que é bom, apraz e é bonito.
*
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Página publicada em julho de 2024
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